segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Era o matraquear de saltos agudos contra o mármore da escadaria. Insolente, contra a ternura dos pianíssimos que se escapavam pela soleira do apartamento do primeiro direito posterior. E eu sei, porque me aproximei como um ladrão e senti os frémitos na ponta dos dedos. Ali, a música nascia, ali o útero.
Ou então a música soou dentro, pelas mãos fantasmas de um ser gentil que te seguraria a alma em momentos. Alma é uma palavra tão gasta, mas continua a sair-me dos dedos como um sonho cansado. São patranhas ridículas ou nasceste mesmo para desejar cinco quartos de lua e não menos?
Descalçou os sapatos de saltos agudos e despiu os pés em passos etéreos. E subiu-se à ponta dos dedos, justamente como fazia nas aulas de dança, e ficou mais perto, de uma altura de deuses.
Se viesses, eu venderia a lua a um estranho e um dia, chegaria muito perto e dir-te-ia ao ouvido que há uma menina que vive fugindo, porque roubou aos deuses um toque de midas. E quando morrer, ninguém saberá que caminhava no mundo com uma estrela de cinco pontas escondida nos cabelos. Mas tu haverias de saber.

7 comentários:

  1. Quando conseguimos aliar a subtileza dos pequenos gestos do nosso respirar com o domínio das palavras, isso é talento.
    Parabéns, Elisabete!

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  2. Cada vez mais a sua escrita se consolida em mim como algo permanente. Não é virtual, mas tangível. Queria ter seu nome nas lombadas de minha estante. Até lá, fica o vão vazio a esperar suas páginas.

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  3. Eu gostaria muito de ter um dia caminhado no mundo com uma estrela de cinco pontas escondida nos cabelos...e que alguém especial soubesse.

    Lindo!

    beijos.

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  4. cinco quartos de lua e não menos

    é a altura exacta entre cada pé
    e um deus

    um beijo Elisabete e escreva sempre, assim!

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  5. A minha estante também continua à espera...Muito bonito,o texto.

    Beijinho

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  6. Cara Elisabete: há muito que segue o meu blogue, a casa que caminha, não sei se passa por ele, mas eu nunca tinha visitado o seu.
    Tem textos belíssimos e gostei particularmente deste. Se não se importa vou colocá-lo no meu blogue, com a devida vénia.
    Voltarei mais vezes

    António

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  7. Diga-me por favor, que nome hei-de eu por na autoria do texto. Obrigado

    António

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