sábado, 30 de janeiro de 2010


Terror de te amar num sítio tão frágil como o mundo.
Mal de te amar neste lugar de imperfeição
Onde tudo nos quebra e emudece
Onde tudo nos mente e nos separa.


Sophia de Mello Breyner Andresen, Coral

Frente a frente


Nada podeis contra o amor.
Contra a cor da folhagem,
contra a carícia da espuma,
contra a luz, nada podeis.

Podeis dar-nos a morte,
a mais vil, isso podeis
- e é tão pouco.

Eugénio de Andrade, As Palavras Interditas

A Primeira Palavra que em Toda a Minha Vida me Esgotou o Ser



"Uma palavra. Disse-a. Amo-te - uma palavra breve. Quantos milhões de palavras eu disse durante a vida. E ouvi. E pensei. Tudo se desfez. Palavras sem inteira significação em si, o professor devia ter razão. Palavras que remetiam umas para as outras e se encostavam umas às outras para se aguentarem na sua rede aérea de sons. Mas houve uma palavra - meu Deus. Uma palavra que eu disse e repercutiu em ti, palavra cheia, quente de sangue, palavra vinda das vísceras, da minha vida inteira, do universo que nela se conglomerava, palavra total. Todas as outras palavras estavam a mais e dispensavam-se e eram uma articulação ridícula de sons e mobilizavam apenas a parte mecânica de mim, a parte frágil e vã. Palavra absoluta no entendimento profundo do meu olhar no teu, palavra infinita como o verbo divino. Recordo-a agora - onde está? Como se desfez? Ou não desfez mas se alterou e resfriou e absorveu apenas a fracção de mim onde estava a ternura triste, o conforto humilde, a compaixão. Não haverá então uma palavra que perdure e me exprima todo para a vida inteira? E não deixe de mim um recanto oculto que não venha à sua chamada e vibre nela desde os mais finos filamentos de si? Uma palavra. Recupero-a agora na minha imaginação doente. Amo-te. Na intimidade exclusiva e ciumenta do nosso olhar mútuo e encantado. Fecha-nos o lençol na claridade difusa do amanhecer, estás perto de mim no intocável da tua doçura. Frágil de névoa. Fímbria de sorriso e de receio, de pavor, no meu olhar embevecido. Uma palavra. A primeira que em toda a minha vida me esgotou o ser. A que foi tão completa e absorvente, que tudo o mais foi um excesso na criação. Deus esgotou em mim, na minha boca, todo o prodígio do seu poder. Ao princípio era a palavra. Eu a soube. E nada mais houve depois dela."
Vergílio Ferreira, in 'Para Sempre'

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Um nome...

Um nome. Elisabete. Tão seu… E todavia, aquela sensação de estranheza quando ouve esse nome, quando se ouve, pelos lábios de alguém. Ou até nesses outros momentos em que, baixinho, tão baixinho que não saberia afirmar se o pensou somente ou o disse de facto, decompõe o nome, o seu nome, em sílabas, letras, sons, decompõe até ao infinito, até à estranheza da palavra, a estranheza de si, a magia de se ver no mundo e de se espantar com isso. Elisabete… Sou eu. É ela, quero eu dizer, porque, mesmo que ela seja eu, hoje quero ver-me de fora.
"Não sei que pacto se estabelece entre a pessoa que somos e o nome que nos deram: o nome, como o corpo, é nós também." (Aparição, Vergílio Ferreira)

Sobre esse lugar encantado...

"Somewhere Over the Rainbow" - O Feiticeiro de Oz

Somewhere over the rainbow
Way up high,
There's a land that I heard of
Once in a lullaby.

Somewhere over the rainbow
Skies are blue,
And the dreams that you dare to dream
Really do come true.

Someday I'll wish upon a star
And wake up where the clouds are far
Behind me.
Where troubles melt like lemon drops
Away above the chimney tops
That's where you'll find me.

Somewhere over the rainbow
Bluebirds fly.
Birds fly over the rainbow.
Why then, oh why can't I?

If happy little bluebirds fly
Beyond the rainbow
Why, oh why can't I?

sábado, 16 de janeiro de 2010

Nesta noite...

Na noite de hoje, só a serenidade tem lugar. Amanhã esquecerei; amanhã, o passo pequeno e hesitante de quem teme a vida; hoje, porém, o sono descansado de quem acredita, mesmo que a crença se esgote neste instante único.
Hoje, vou sonhar, espreitando a liberdade da minha janela...
"Deitava-se na enxerga mesmo à beira do vazio, contemplando o panorama errante das estrelas, das nuvens em movimento, acordada pelo rugir dos trovões e relâmpagos. Tinha vinte anos, era louca."
(O doente inglês, Michael Ondaatje)

domingo, 10 de janeiro de 2010

Porque esperas Cinderela?

Esta noite vou usar um lindo vestido e pentear o cabelo.
Quero estar linda para receber os fantasmas da minha vida, as sombras da minha solidão.
Nesta casa vazia, serei eu e os meus medos.
À meia-noite, vou fechar os olhos e bailar com os ecos destas paredes despidas. Perderei um sapatinho e não virá ninguém no meu encalço.
Porque esperas Cinderela?
O vestido lindo que usavas é agora um trapo sujo e o teu rosto está coberto de cinzas. Aquela esteira em frente da lareira fria? Deita-te sobre ela e abraça o teu corpo, procura aconchego dentro de ti, um resto de chama há-de existir ainda nessa alma dolorida. Abraça-te porque o abraço impossível que tão desesperadamente procuras não existe. No fim de tudo, ingénua Cinderela, existe a dor, a solidão sentida ou inventada, os fantasmas e as sombras que carregamos como um fardo pela vida. Hoje, estão de mãos dadas comigo. Esta solidão tem nome. É o meu.
E. A.
"Fazes o caminho que só se pode fazer sozinho e de noite, pois todos temos um portão e um jardim para atravessarmos, sozinhos, de noite, debaixo e sobre e entre o medo"
(Nenhum olhar, José Luís Peixoto)

Uma lágrima

Uma lágrima…
Um pedaço de alma que se recorta e desliza serenamente pelo meu rosto. Com a serenidade das coisas velhas e aprendidas.
E.
"... e uma lágrima é morrer tão completamente."
José Luís Peixoto

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

"Haverá um destino para cada um de nós?"


Não.
Escrevemos a vida. Mão firme ou hesitante, mas nossa.
Partir ou ficar, sou eu quem decide.
O que somos, o que vamos sendo… Depende de nós. Há o acaso, há a circunstância, há a vida, mas a força da nossa vontade é maior, deveria ser maior.

Sim.
Há um destino, na medida em que há um sonho; sonhos a nascer descontrolados dentro de nós.
Há um destino, na medida em que há algo que amamos, sejam pessoas, lugares, palavras.
Há um destino na medida em que amamos alguém ou alguma coisa sem sabermos porquê.
Há um destino porque, se a mudança é possível (e eu acredito que sim), há um espaço muito íntimo no interior de cada um de nós onde nada chega, um espaço com um cunho de imutabilidade.
Há um destino na medida em que, e tantas vezes desejei que assim não fosse, no essencial, somos o que somos.
Há um destino e, por força de tanto querermos, haveríamos de lá chegar.
Há um destino, porque a maior tristeza do mundo é a traição a nós mesmos.
Há um destino, só não sei se somos nós que o traímos ou se é a vida que nos trai, quando passa e não nos olha.
Há um destino, nem que seja um destino incumprido…
(Para ti, mana, porque gostaste e soubeste dizê-lo... porque gostas sempre...)
“Do not let your fire go out, spark by irreplaceable spark in the hopeless swaps of the not-quite, the not-yet, and the not-at-all. Do not let the hero in your soul perish in lonely frustration for the life you deserved and have never been able to reach. The world you desire can be won.
It exists.. it is real.. it is possible.. it's yours."
Ayn Rand