segunda-feira, 29 de março de 2010

Didascália


Fecho os olhos e, como se segredasse, pronuncio uma palavra, qualquer palavra. Esqueço o significado, a memória a que faz apelo, o recanto da alma onde a enquadro. Faço-a voz somente e apercebo-me de uma nova forma de a olhar, ouvindo-a. A palavra como som.
Alguém comentava, há muitos anos, a beleza de uma palavra em particular. Didascália. Nos tempos que se seguiram, dei por mim debitando baixinho todas as palavras que me assomavam à ideia. Nunca me esqueci.
É esta a razão de ser do nome deste blog. Não há nela uma simbologia, uma revelação, um compromisso ou relação de sentido… Apenas a suavidade de uma palavra que cobicei em segredo, como se cobiçam as coisas belas com que gostaríamos de adornar a nossa alma imperfeita. Apenas a suavidade de uma palavra que me vai soando… Apenas isso.

sábado, 27 de março de 2010

quinta-feira, 25 de março de 2010

O meu avô Ricardo


Avô, foi há dois anos. Dois anos de um tempo vivo, de um tempo meu. Sei que não me ouves, não tenho o conforto da crença. Eu não escrevo para ti, escrevo-te em mim. Ou tento. Eu tento, avô, e por ti, para ti, deveria ser capaz. Perdoa-me, perdoa-me porque não sou.
Mas quero que saibas que o teu nome de avô é sagrado. Não escutes o resto. Não escutes as palavras pequeninas que eu teimo em escrever porque sim. Lembra-te só desta verdade. O teu nome de avô é sagrado em mim. E vou guardar-te, mesmo sabendo ou pressentindo a inutilidade de tudo.
Tinhas o sorriso de uma criança travessa. Um sorriso desdentado e lindo, porque verdadeiro. Nas fotografias, o rasto desse sorriso sol com que nos brindavas os dias e a infância. A infância. A infância que partiu contigo, nesse dia em que as sombras se tornaram vultos, reais, tangíveis. E o que mais me magoa é a certeza desse desejo de vida em ti. Querias tanto viver. Vida. E o fantasma do seu reverso sempre a ensombrar-te a alma e a escurecer-te o olhar. E a tua força, o teu desejo, a tua gana não bastaram! Como é possível? Eu não compreendo.
Avô, foi há dois anos. A vida como que suspensa. A avó. A mãe. Os tios. E essa dor que eu não posso conceber, essa dor que eu não quero escrever nunca, essa dor que lhes deixou a alma vergada, essa dor que obriga a abrir os olhos e enganar a alma, porque fechá-los é ver a verdade que dói. Uma dor que eu não sei. Nada sei.
Avô, eu estou longe. Esta é a flor que deposito sobre a pedra fria que te cobre. O teu nome de avô é sagrado e escrevo-te em mim para dizer que a tua ausência me dói.

sábado, 20 de março de 2010

Pai




É tão singela a palavra que te escreve, tão pequenina, tão certa no coração de uma criança. Quero escrever-te e nunca saberás que o fiz. Mas o amor tantas vezes se sente e se cala. Faltam palavras para te escrever.
Todas as minhas verdades estão escritas nas páginas de um livro ou na letra de uma canção. Quase todas. Há uma ou outra verdade que as palavras não alcançam e que estão escritas na alma para a infinidade dos séculos. Que mistério a alma humana! Tão plena ou tão vazia, tão fraca ou tão capaz.
Pai, que sabes tu de mim? Que sabes tu dos meus caprichos, dos meus devaneios, dos meus sonhos, dos meus fracassos? Que sabes tu da minha luta? Que sabes tu desta alma turbulenta e furiosa? Que sabes tu, pai?
Pai, esta dor é minha. Esta dor onde se perde o meu olhar parado é minha. Desta labuta do ser nada sabes. Mas acolhes-me na suavidade de um amor que não questiona.
Pai, ontem, quando ia no autocarro, uma menina sentou-se à minha beira. Cabelo longo, rosto sardento, olhar atrevido e inocente. Agarrava com força um postal e ai de quem... Também eu, há muito tempo atrás, numa vida que passou sem que me desse conta, te escrevia com a letra incerta e periclitante de uma criança. "Pai, com esse bigode pareces um gato". Ainda hoje sorrio quando me lembro desta mensagem. Mas eram palavras de amor...
Pai, como cheguei aqui? A este tempo e a este lugar? A esta estranheza? Se eu pudesse voltar lá, ao lugar da minha meninice...
Cuida de mim, pai. Conta-me as histórias que um dia me entreteceram os sonhos e me desajustaram da vida. Conta-me as histórias desse tempo, para que volte a acreditar.


sábado, 6 de março de 2010

O teu sonho


Hoje, apeteceu-me escrever sobre essa menina que sorri com os olhos. Porque ela talvez não saiba, mas tem em si um traço de infinito…

Sabes o que penso? Um dia, o teu sonho será realidade. Li-o na certeza desse olhar. E será assim, exactamente como o desenhas ou, quem sabe, com linhas ainda mais perfeitas. Porque a vida também sabe ser maior do que o sonho. Raro, mas acontece.
Os sonhos que assim são, esses que nascem no infinito que nos povoa, são alheios à dúvida, ao constrangimento, ao desencontro. Enfim, a tudo aquilo que torna a vida mesquinha e pequenina. Mas tu sabes…
O que talvez não saibas: o que distingue o teu sonho é a força de o sonhares.
Sonhas com o vestido lindo que fará de ti uma princesa, mas quero dizer-te que não se veste a alma (mas que importa? Lá és Rainha…).
O teu sonho…
São belos todos os sonhos que nascem do que permaneceu puro e intocado no coração dos homens. E por isso te digo, o teu Sonho é a tua maior pertença. Sonha-o teu, sonha-o em ti, sonha-o por ti. Sonha-o grande e impossível. Na imensidão de ti, na limitação de ti; na riqueza de ti, mas também no que em ti é humano e perecível, para que se engrandeça.
Sonha-o…