sexta-feira, 26 de novembro de 2010

VII

A senhora era a mais nova de onze irmãos, quase todos já mortos. Foi criança em casa abastada, onde os criados a tratavam por menina. A mãe era uma figura pequenina de saúde delicada. O pai era o senhor sério que a senhora, nessa altura menina apenas, tratava com respeito, dirigindo-se-lhe quase a medo:
- A sua bênção, senhor meu pai.
- Deus te abençoe, minha filha.
Chegada a idade, partiu para Coimbra e aí estudou durante dois anos ciências farmacêuticas. Não chegou a terminar o curso, os livros enfastiavam-na e havia nela uma pressa de viver que não a deixava sossegar.
Foi hospedeira de bordo e guia turística nas terras do além mundo. Fez a mesma rota vezes sem conta.
Um dia, volvidos muitos anos, regressou à aldeia que a viu nascer. Instalou-se na casa grande, sem marido, sem filhos e por lá ficou, soberana na sua reclusão.
Dos amores, dos desvarios, das agruras nada se sabe. A senhora regressou vestida de silêncio.

2 comentários:

  1. Vidas vazias ou cheias do muito que não ficou.
    História de vida ou vida para uma história?


    Um beijo

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  2. Talvez a senhora encha o casarão vazio com todas as memórias que ela trouxe consigo. Memórias que vão fazer eco nos espaços carentes de vida e movimento, que a casa velha desde muito ansiava.

    Lindo texto! Parabéns. Já estou seguindo-lhe.

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