Às vezes, raras vezes, a senhora falava. Não falava comigo, mas falaria para mim? Eu escutava de costas voltadas e fechava os olhos às chamas que enlouqueciam na velha lareira de pedra. E sentia a intensidade do calor queimando-me o rosto e nem assim eu abria o olhar à violência das chamas. Uma voz rouca de desuso, que logo se abria em claridade. E como era bela essa voz saída do silêncio, do dentro, do lugar das palavras coroadas.
Falava de lugares, nunca de pessoas. Mas falava dos lugares como se falasse de pessoas. Dos amores que levaram consigo o calor do abraço e deixaram apenas memórias, cinzas, restos de sonho que pouco aquecem os dias na idade da morte. Deles não me falou. Mas falava dos lugares do mundo com o mesmo ardor de quem recorda uma noite de amor numa Paris chuvosa, lá fora lampiões brilhando e bêbados sorvendo a noite em largos tragos. Só mais tarde o pensei. Muito mais tarde, quando descobri que, depois de tudo, tanto ou tão-pouco, fazemos das pessoas o nosso lugar no mundo. Mas a senhora não me deu o tempo de crescer e questionar e hoje eu não sei o porquê. Talvez lhe doesse a humanidade…
Terminava suavemente e o silêncio que se seguia era ainda uma palavra na sua história. E quando finalmente abria os olhos, a senhora já não estava na sala. Só eu e as chamas de um lume agora mais brando.
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