sábado, 20 de novembro de 2010

VI

Antes do regresso a casa, havia ainda o lanche com a senhora. E agora que penso nisso, é possível que, desde o início, ela não se limitasse a receber-me, talvez me aguardasse até. Porque na mesa, para além do requinte servido em loiça de porcelana, havia sempre fatias de bolo, biscoitos de canela, bombons embrulhados em quadradinhos de papel colorido…
A senhora pouco comia. Bebericava uma chávena de chá e debicava a bolachinha. O costume. Já eu comia com a vontade própria das crianças, mas tendo sempre cuidado para não manchar a toalha de linho rendada que cobria a mesa. Não falávamos. Ela olhava-me placidamente e eu, nesses momentos, degustando o quadradinho de chocolate na minha boca gulosa, era mais criança do que nunca.
A senhora sentava-se muito rígida na sua cadeira e havia nos seus modos tanta correcção e aprumo. Aprendi a sentar-me direita, sem me apoiar no espaldar da cadeira e, quando cresci mais um pedaço e consegui finalmente tocar com os pés o chão, aprendi a cruzá-los com delicadeza.
Lá fora, eu corria descalça pelos campos, o cabelo em desalinho, o rosto afogueado e os joelhos tantas vezes esfolados dos descuidos. Lá dentro, porém, eu era uma senhorinha.

3 comentários:

  1. Das palavras ignoradas aos silêncios densos, imagens plenas de significado e interrogações inundam-nos.

    Interessante!

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  2. E episódio a episódio... o livro vai crescendo e nós só enriquecemos e nos deliciamos! Nasce criança que corre pelos páginas em branco "o cabelo em desalinho" (isso é-me familiar :)), queria dizer as imagens bem alinhadas e lá dentro a candura das palavras...

    Beijinho

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  3. Muito interessante esta história em capítulos que são retratos de vivências.
    Não é novela mas é muito romântica a forma e a abordagem ao tema.
    Parabéns.
    Caldeira

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