terça-feira, 2 de fevereiro de 2010



… E, vezes sem conta, dei por mim estacada diante de um velho casario. Do lado de fora de muros e portões, quieta, muito quieta, quedada numa contemplação silenciosa e reverente. Essas velhas casas olham-nos, vigilantes e, nesse olhar, velho de tempo e gerações, velho de vida, desenha-se uma dignidade solene, que nos modera os gestos e a alma.
Altivo o porte, sobranceiro o olhar e um fascínio que não saberei explicar. A pedra antiga e gasta. A beleza de cada detalhe. Os brasões como símbolo de uma força vulnerável. O tempo escorrendo húmido e frio pelas paredes cansadas. E as histórias, sobretudo elas. Não são casas, são memórias empedradas.
Nesse dia, o meu destino foi aquela casa. Entre as muitas que vi, foi aquela. Todas as outras, mal grado a idade de séculos, conservam ainda um resquício de vida. Aquela não. Foi bela. Certamente que sim. Hoje, sorri debilmente, as janelas entaipadas, o rosto cerrado de uma morada esquecida. E as flores, sim, as flores… também elas ressequidas, exauridas, cansadas, esgotadas. Flores que venderam a alma naquele lugar de silêncio e que para lá ficaram, carcaças de uma beleza que só lembra pela memória a que faz apelo.
Naquele dia, o meu destino foi esse lugar. Toquei a pedra fria com a minha mão, fria também, como sempre está. Subi a escadaria. Olhos estranhos que me vissem, talvez me apontassem o dedo pelo atrevimento. Mas olhos estranhos nada sabem e, naquele instante, eu pertencia ali. Sentei-me num degrau e assim fiquei, sonhando um passado que não me pertencia, sentindo uma saudade que tinha o meu nome inscrito, mas não era minha. E lembrei-me daquela canção, aquela que fala de uma casa como se falasse de uma mulher magoada…


"E esse teu ar grave e sério
dum rosto e cantaria
que nos oculta o mistério
dessa luz bela e sombria

Ver-te assim abandonada
nesse timbre pardacento
nesse teu jeito fechado
de quem mói um sentimento

E é sempre a primeira vez
em cada regresso a casa
rever-te nessa altivez
de milhafre ferido na asa "



5 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderEliminar
  2. Elisabete,como é possível escrever tão bem sendo tão jovem? Como é possível ter tanta sensibilidade condensada em palavras puras?Como é possível olhar para uma casa que não nos pertence e falar dela como se nela estivesse a nossa essência mais genuína e intocável?
    Talvez seja como um "Amor Sonhado" que, de tão sentido se torna real.

    IBEL

    ResponderEliminar
  3. As minhas palavras... são imperfeitas, desejeitadas, pequeninas... Serão sempre a marca de uma incompletude. Sinto. Tanto. Só gostava de saber dizer...
    "As coisas de sonho... Têm amores só puros, como as nossas almas." (Fernando Pessoa)
    Em toda a Alma, no lugar do Sonho, existe a pureza?

    Um beijinho

    ResponderEliminar
  4. "É em nós que é tudo
    É ali ali
    Que a vida é jovem e o amor sorri".

    Marcas de imcompletude temos todos nós, mesmo no Lugar de Sonho,mas a grandeza de alma insatisfeita é que distingue as grandes delicadezas de alma.

    Beijinho

    ResponderEliminar
  5. Que densidade de sentir a memória do tempo que outros viveram. Escreve sempre, as tuas palavras são "completas", são "ajeitadas", não desistas.
    bjinhos. Sucesso nos estudos.
    Isabel

    ResponderEliminar