sábado, 21 de agosto de 2010


Arranco o mar do mar e ponho-o em mim
E o bater do meu coração sustenta o ritmo das coisas.
Sophia

Sentença sem retorno ou apelação. É assim que recordo o que disseste. Compreendi, embora não tenha sentido. Mais tarde sim, haveria de sentir a crueldade de cada ênfase. Mais tarde, só mais tarde… Voltei-te as costas em silêncio, disfarçando de desprezo o meu orgulho ressentido.
Quando o meu corpo morria à míngua de um abraço, eu fugi de todos os afectos e parti em busca de uma casa junto ao mar, onde a dor vazasse num infinito maior e mais além.
Conduzi por estradas de ninguém. Por um tempo de horas, dirão os relógios do mundo. Por um tempo de dor, dirá a alma revisitada. Deixei que a música tocasse baixinho no rádio. Quis por força calar o silêncio que me lembra o escuro e a solidão. Mas a canção é quase sempre de amor e a palavra faz doer. E percebi que não importa. Seja voz ou silêncio, a dor não esquece.
Uma fiada de casas junto à costa. O areal é dos jardins mais belos que já vi. Vazias no Inverno. Não me recordo de alguma vez ter visto o mar num dia de chuva. O meu olhar é virgem em tantos mundos. Quando parei o carro, as lágrimas desabaram enfim. Uma confusão de três águas benditas, a lágrima, a chuva e o mar.
Antes de entrar na casa, limpei os olhos com as mãos violentas de quem sabe que terá uma lição dura e inútil pela frente, embora hoje saiba que assim não é.
Fixei o mar cinzento com o rosto erguido. Ninguém viu, mas eu tinha o rosto erguido. Aquele mar… Aquela chuva… Aquelas estrelas que eu pressentia sob o céu pesado e encoberto… Era isto que eu teria de aprender a amar acima de todos os afectos. Afectos são promessas humanas feitas com figas na mente, afectos são infinitos perecíveis e eu sempre me rendi às eternidades.

12 comentários:

  1. Sendo um frequentador assíduo deste espaço, já não me surpreende a beleza que emana dos teus textos. Mas devo dizer, Elisabete, que me tocaram particularmente as palavras que hoje aqui deixaste... Parabéns!

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  2. E.A.,

    Há um selo (desfio) no meu blogue à sua espera.

    Beijinho

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  3. Gostava que cada comentário que aqui deixo fosse especial, único, que estivesse realmennte à altura daquilo que escreves. Mas é tão dificil!

    Então,

    Deixo te sempre a admiração que tenho por aquilo que escreves.

    Deixo te o meu beijinho... E desde que te faça sorrir já me sinto feliz!

    E é isso que te deixo hoje!

    Diana C*

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  4. Este seu texto tocou-me demasiado... demasiados momentos que me pareceram tão reais, demasiadas emoções que senti tão reais,demasiada chuva (e eu que tanto gosto dela), demasiado mar, demasiadas lágrimas...
    "Quando o meu corpo morria à míngua de um abraço, eu fugi de todos os afectos..."
    "a palavra faz doer", "Seja voz ou silêncio, a dor não esquece."
    "...afectos são infinitos perecíveis e eu sempre me rendi às eternidades."
    Há algo que não posso fazer... fugir para junto do mar, mas se pudesse... seria uma morada frequentada demasiadas vezes!

    Parabéns, E.A.!Lindíssimo texto

    Beijinhos

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  5. Elisabete!
    A bitola está a ficar muito alta, mas tu continuas a não ter qualquer problema com as palavras. Antes pelo contrário. Será que tens um pacto secreto com elas? :)
    Quando o primeiro livro sair, eu quero estar na primeira fila. Pode ser?

    Beijo :)

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  6. Diogo,
    Eu sei que me acompanhas em silêncio, mas hoje deixou-me feliz que comentasses. Obrigada

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  7. JB,
    Estou certa de que compreende, os seus poemas dizem muito mais.
    Obrigada pelo selo, logo à noite responderei ao desafio. Um beijinho

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  8. Diana,
    Os teus comentários são sempre especiais, não duvides. E eu sorri, como sorrio sempre. Um beijinho e muitas saudades

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  9. AC,
    Eu sinto que vou crescendo com este espaço...
    Se esse dia feliz um dia chegasse, pode estar certo que lhe reservaria um lugar muito especial.

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  10. Texto magnífico!Tocou-me especialmente.

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  11. Gracinda,
    Obrigada! Fico genuinamente feliz com a sua presença e incentivo. Um beijinho

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  12. Unindo os fios das palavras vais construindo um mundo que desperta em nós sentidas emoções.

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