quinta-feira, 27 de maio de 2010

Mar


Ela disse-lhe que queria ver o mar. Com os olhos vidrados de loucura e inquietação, disse-lhe que queria ver o mar. Ele ainda pensou em dissuadi-la, mas logo a mão se suspendeu no gesto vago de quem pressente que há olhares que não se travam ou enfrentam.
Uma praia deserta numa noite de Inverno e um vulto caminhando descalço pelo areal. Passo trémulo, olhar febril e a calma que há-de vir quando esse mar bravio, de alma indómita e fugidia, lhe beijar os pés de seda e a orla do branco vestido.
Ela senta-se e para lá fica, mareando sonhos vela nas vagas de uma alma inquieta. Sente frio, o frio do beijo molhado da chuva contra o seu rosto. Sente frio, uma sensação rude, mas viva. Sente frio e sente-se viva.
Tarda e ele inquieta-se. Segue os passos desenhados na areia e vislumbra o vulto através de uma fina cortina de chuva, nessa praia vazia de gente e tão cheia de infinito. Interrompe a marcha apressada e, por um momento, fica ali, estacado, observando-a. Uma menina vestindo de branco, sentada no areal, olhando o mar nos olhos e buscando o sossego ou a inquietação, não saberia dizer, porque esse mundo dos outros nos é, no fim de contas, tão alheio e velado…
Leva-a em braços até ao quarto de menina e pousa aquele corpo esguio sobre a cama. Ela dorme o cansaço de um corpo vergado pela alma esfaimada. A mão aberta abandonada junto ao rosto de bela adormecida. Ele fixa o rosto que o toca de ternura e, cuidando para que a brancura do gesto não se quebre, pousa os seus lábios sobre os lábios frios da menina de mármore.
Antes de se retirar, ainda ouve os sonhos dela falando baixinho, assim como quem segreda…
- Mas a lua é um infinito que cabe no olhar e eu hoje queria ver o mar…

9 comentários:

  1. Fascinados, os olhos sorvem as palavras lisas num espaço rescendente a mar.É um percurso sereno, doce como uns lábios quentes depois da lua e do infinito.E os lábios frios da menina de mármore incandesceram? Teria acordado essa Bela Adormecida?

    LINDO!!!

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  2. Desde a primeira leitura que fiz neste blogue que senti que havia algo que atraía, que seduzia o leitor. O tempo passou e, sem surpresa, a impressão reforçou-se.
    E.A., espero continuar a ser seu leitor por muito tempo. É que sempre gostei de pessoas talentosas.

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  3. Ibel,

    Os seus comentários trazem sempre tanta poesia!!!
    Obrigada por toda a beleza que vai acrescentando a este espaço.

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  4. AC,

    Obrigada pelas palavras, sempre gentes e cheias de incentivo. Espero humildemente que me leia, é para mim privilégio.

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  5. Não consigo escrever nada que faça juz a este texto...

    Tu és grande Elizabete... És tão maior do que aquilo que acreditas ser...

    Um abraço cheio de carinho

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  6. Uma doçura de texto. Sorri e imaginei a menina de vestido branco, como um sopro leve, como uma brisa poética...

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  7. Diana,
    Pelo carinho das palavras, um obrigada do tamanho do mundo.

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  8. Professora Isabel,

    Um beijinho muito grande e o desejo de uma boa semana.

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  9. Este texto está entre os meus favoritos. Um diamante azul entre tantas outras pedras preciosas. Nunca deixes de escrever, o mundo ficaria mais pobre.

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