quarta-feira, 16 de junho de 2010



Vês aquela casa, ali adiante?
Foi um dia minha. A minha casa de viver. Há anos que ninguém lá mora. Eu despedi-me dela e vim para aqui, para esta casa de meu irmão, no fundo da mesma rua. Às vezes espreitava-a, de longe, ou de perto, quando o passo trôpego e cansado consentia. Sempre o mesmo sorriso de casa minha e eu a iludir-me, forçando a crença, ou julgando deveras, que tudo é ainda o mesmo. Mas o tempo…
Hoje não tenho sequer a ilusão. Construirão uma outra casa no lugar da casa minha. Talvez preservem as paredes que me resguardaram do mundo, tudo o resto será destruído.
Sabes pequena, eu preocupo-me. Preocupo-me com as memórias. Para onde irão, agora que perderam o poiso?
Durante a manhã, os homens transportaram os caixotes repletos daquilo que é ainda meu. Vi de longe aquele espelho de prata, magnífico, e lembrei-me do dia em que nele me olhei nua e bela, apenas duas pérolas espreitando entre o cabelo revolto. Vês o meu cabelo? É branco de tempo e a pele, que foi seda e toque nas mãos de alguém, está gasta.
Hoje, a casa minha é um sorriso rasgado de destroços. Amanhã outra sorrirá no lugar da sua ruína. Dizem que as memórias nos sobrevivem, mas as minhas morreram antes de mim.

2 comentários:

  1. Texto profundo e poético sobre a complexidade do ser humano e dos processos inerentes à memória. Sem memória não há conhecimento, é ela que permite representar o mundo, ela é a essência da vida...
    Desejo que os exames corram bem e vão correr tenho a certeza.
    Bjinhos
    Isabel

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  2. Após a leitura do texto, vários pensamentos se cruzam...
    O que são as (minhas) memórias? Elas esgotam-se em mim ou há forma de perpetuá-las? De que forma? Do que eu fizer da minha vida em função de mim, ou em função dos outros? Ou...
    Não interessa procurar respostas. Todos temos um percurso, e há que fazê-lo procurando no mais fundo de nós. O que se segue transcende-nos.

    Bj

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