Fiz das palavras o meu modo de vida. Não creio que tenha sido uma escolha. Aliás, teria sido uma fraca escolha para alguém que sempre se reconheceu como inapto. Não, não foi uma escolha e não sei sequer quando aconteceu. Mas aconteceu… Como uma troca de olhares entre dois desconhecidos que, de tão profunda, de tão intensa, se torna irreparável.
Palavras… São um convite à loucura, sei-o. E, no entanto, a perdição, o abismo têm um encanto insinuante, perverso, irremediável. Sei há muito que este caminho que trilho, solitário, marginal, divergente, não tem retrocesso. Dizem que a paixão é efémera e volúvel. Talvez o seja, o mais das vezes. As grandes paixões, porém, aliam a constância à intensidade, e não têm remedeio possível.
Não tenho escrito muito. Confessá-lo é reconhecer o fracasso e, no entanto, faço-o com o despudor de quem se sabe inocente. Em contrapartida, leio desaustinadamente, com a avidez dos que procuram desesperadamente salvar-se.
Hoje não me chega ler nas palavras de outros o que sinto ou desejaria sentir. Quero ser eu a dize-lo, mesmo sabendo que me debato debalde, porque as palavras, estas que escrevo, não as que tenho impressas na alma, são toscas, grosseiras, levianas até.
Sinto, penso e sei excessivamente e nunca serei capaz de o dizer. Fazem-me falta as palavras: para me ver, para que me vejam. Porque, se é certo que me escondo, é também verdade que preciso desesperadamente que me encontrem, me olhem, me leiam…
Fazem-me falta as palavras, apesar de serem a presença mais sólida na minha vida. É paradoxal, eu sei… Mas também, o que tem sido a minha vida, senão uma síntese de extremos e ambiguidades? Tudo ou nada, sem contemplações.
Hoje escrevo, mesmo que todos os deuses se insurjam e me gritem aos ouvidos a minha inépcia.
Escrevo porque estou cansada do lugar comum, do mundano, do ordinário; escrevo porque o meu coração de porcelana se fez em cacos e necessita urgentemente de conserto; escrevo porque lá fora se faz noite e os fantasmas não tardarão a chegar; escrevo porque sim, e esta resposta tem de bastar.
Março de 2009
Escreves porque sim! Continua. A tua escrita é leve e profunda, simultaneamente. Teces as palavras em ondulações de poesia. Continua, continua, ainda que o teu coração esteja em cacos.
ResponderEliminar"Fiz das palavras o meu modo de vida. Não creio que tenha sido uma escolha."
ResponderEliminar"Em contrapartida, leio desaustinadamente, com a avidez dos que procuram desesperadamente salvar-se."
"Fazem-me falta as palavras: para me ver, para que me vejam. Porque, se é certo que me escondo, é também verdade que preciso desesperadamente que me encontrem, me olhem, me leiam…"
"Escrevo porque estou cansada do lugar comum, do mundano, do ordinário; escrevo porque o meu coração de porcelana se fez em cacos e necessita urgentemente de conserto; escrevo porque lá fora se faz noite e os fantasmas não tardarão a chegar; escrevo porque sim, e esta resposta tem de bastar."
Poderia fazer mais sublinhados, mas estes bastam-me para reconhecer alguém que se debate consigo própria e com o mundo que a rodeia. Alguém que assume as suas fraquezas, os seus fantasmas, mas que sabe que terá que os enfrentar para se sentir digna do ar que respira, de saber o seu lugar no mundo, de penetrar nos segredos do equilíbrio do cosmos.
Ah, Elisabete, quanta vontade nas suas palavras, temperadas com a humildade dos que sabem esperar. E é preciso saber esperar, não queimar etapas. É que a vida não está logo ali ao virar da esquina. Forja-se dentro de nós.
Força!
Ah, o texto é admirável!
ResponderEliminarCada vez tenho mais dificuldade em comentar os seus textos.Leio-os religiosamente,deixo os olhos fazer paragens em certos apeadeiros e, chegados ao fim da viagem pedem-me retorno. Obedeço.
ResponderEliminarPorquê?
É que uma coisa é este texto ser escrito por um adulto feito, outra coisa é esta profundeza de ser e de existir brotar de uma jovem que confessa que lhe fazem falta as palavras. Como não poderiam deixar de lhe fazer falta, se a Elisabete busca a essência das coisas na caverna misteriosa onde elas habitam? Isso é tremendo e lindo, porque os seus textos mereciam ser lidos no silêncio da luz, essa que se enamora pela apalpação das manhãs ou nas tormentosas trevas onde os gambozinos nos obrigam a uma procura qualquer.
Obrigada, Elisabete!!!
Escreves, porque é essa a tua escolha, escreves para aliviar esse sopro, para dar a quem lê tão belas palavras uma nova esperança... Escreves por tudo em que acreditas. Escreves porque é esse o teu DOM, escreves para que eu e outros tão atentos quanto eu o possamos apreciar.
ResponderEliminarUm abraço (já cheio de saudade)!
Di*
Descubro o tempo (ou arranco-o a uma hora que não dormirei) para tornar em "tudo" o "bastante" que li deste teu cantinho. Ainda há tanto de tão bom que não li...
ResponderEliminarE é difícil resistir à vontade de comentar...
As palavras também me fazem falta, mas tenho medo. Medo de trair a alma que com elas quero fazer transparecer e medo de as trair nesse mau uso.
Espero que nas minhas palavras se reflicta o quanto aprecio ter vindo parar a este blog que me inspirou a criar o meu. E espero que num momento de ócio ou num ocasional lampejo de inspiração me baste o "porque sim" também a mim.