Noite dentro, e eu sentada diante de uma folha de papel, branca das palavras que não escrevi.
Noite de Verão. Eu gosto das noites de Verão, gosto de ficar acordada por horas infindas, o sono pesando-me talvez sobre as pálpebras, mas eu resistindo sempre, pelo privilégio de espreitar um mundo adormecido. Pela janela aberta entra uma brisa suave que disfarça em marca de água o calor desaustinado que apertou durante o dia. A cortina ondula em meneios de mistério e eu finjo, só pelo gosto de criar fantasia, que os ruídos da noite são em verdade assobios das estrelas cimeiras.
Olho a folha ainda branca. Ainda não aprendi a lidar com elas, com as palavras, quero eu dizer. Sempre me parece que chegam contrariadas, como se não gostassem de mim e as arreliasse a minha insistência. E eu, que gosto tanto delas, arrelio-me de igual modo, porque creio vivamente que todos os grandes amores deviam ser correspondidos.
Às vezes desespero. Eu queria tanto e elas não vêm. Entre o ser e a vontade de ser há um fosso de frustração. Tantas palavras belas em viva roda pelo mundo e, em mim, essa cobiça, entremeada de tristeza, por aquilo que, talvez, nunca terei.
Tenho pena por não saber escrever sobre as coisas pequeninas. Gostava de saber descrever, em palavras simples e despojadas, tudo o que vejo à minha volta. Mas não… Talvez cisme demais. É o que o meu pai me vem dizendo, desde que me lembro de ser gente.
No outro dia, no telhado, enquanto comia cerejas, pus-me a pensar como escreveria eu esse momento.
É tão difícil escrever sentimentos. Ou sensações. Ou qualquer coisa. É tão difícil escrever.
Hoje, eu juro, só queria ser capaz de escrever um telhado e uma menina mulher sentada lá no alto, pescando cerejas, num desafio mudo ao mundo, esse senhor sério que olha com ar reprovador, porque esqueceu como é bom subir às árvores.