Ela disse-lhe que queria ver o mar. Com os olhos vidrados de loucura e inquietação, disse-lhe que queria ver o mar. Ele ainda pensou em dissuadi-la, mas logo a mão se suspendeu no gesto vago de quem pressente que há olhares que não se travam ou enfrentam.
Uma praia deserta numa noite de Inverno e um vulto caminhando descalço pelo areal. Passo trémulo, olhar febril e a calma que há-de vir quando esse mar bravio, de alma indómita e fugidia, lhe beijar os pés de seda e a orla do branco vestido.
Ela senta-se e para lá fica, mareando sonhos vela nas vagas de uma alma inquieta. Sente frio, o frio do beijo molhado da chuva contra o seu rosto. Sente frio, uma sensação rude, mas viva. Sente frio e sente-se viva.
Tarda e ele inquieta-se. Segue os passos desenhados na areia e vislumbra o vulto através de uma fina cortina de chuva, nessa praia vazia de gente e tão cheia de infinito. Interrompe a marcha apressada e, por um momento, fica ali, estacado, observando-a. Uma menina vestindo de branco, sentada no areal, olhando o mar nos olhos e buscando o sossego ou a inquietação, não saberia dizer, porque esse mundo dos outros nos é, no fim de contas, tão alheio e velado…
Leva-a em braços até ao quarto de menina e pousa aquele corpo esguio sobre a cama. Ela dorme o cansaço de um corpo vergado pela alma esfaimada. A mão aberta abandonada junto ao rosto de bela adormecida. Ele fixa o rosto que o toca de ternura e, cuidando para que a brancura do gesto não se quebre, pousa os seus lábios sobre os lábios frios da menina de mármore.
Antes de se retirar, ainda ouve os sonhos dela falando baixinho, assim como quem segreda…
- Mas a lua é um infinito que cabe no olhar e eu hoje queria ver o mar…