quinta-feira, 15 de abril de 2010

E tem coragem, menina?

Sobre a profissão que escolhi para a vida só escrevi duas vezes. É dessas palavras prenhes de silêncio, que nos cala a arrogância e nos veste de humildade e pequenez.
Sou estudante de Medicina…
É muito provável que os olhos se abram de espanto e a voz que os acompanha se me dirija…
- E tem coragem, menina?
E eu retraio-me e pinto-me de culpa, por ter ousado coragem, desprezando essa frágil fraqueza que tanto lêem em mim. E no instante seguinte, lá vou arvorando um sorriso e levemente respondo…
- Pois hei-de ter.
Há medos estrebuchando dentro de mim, mas eu cerro os punhos e disfarço. Ninguém me perdoa os meus vinte anos. Não ali, onde responsabilidade se escreve com letra grande e portentosa.
Olham-me de fora e vêem um rosto de menina. Talvez questionem, como eu questiono, a firmeza de espírito desta criança. Mas quem assim me vê, não sabe da força de uma fraqueza. Tenho em mim um Cabo das Tormentas, dia a dia dobrado e feito Esperança…
Medicina não é, como me disseram um dia, acusando-me de ter traído uma qualquer sensibilidade, víscera, febre ou dor explícita sem traço de delicadeza. Medicina é Humanidade e, não desmerecendo lavores, não creio que em nenhum outro esta lição seja tão crua e genuína. E por isso o privilégio.
Não quero escrever palavras poesia. Ou pretensas lições de moral. Na vida, tantas e tantas vezes, não há propósitos ou fins, análises ou conclusões. Vamos sendo…
Hoje, vi a lágrima, o grito de dor, o esgar, a fealdade. E sobretudo o olhar, humano e ressentido, humano e magoado, humano e parado de esperança. Hoje senti-me pequenina e miserável. Não quero esquecer. Construímos castelos de areia, embotamos a alma de frivolidades, e a nossa humanidade bate tão mais fundo…

5 comentários:

  1. Pois é, EA, construímo-nos com determinação e convicções, mas também, e muito, com os nossos medos. Ainda bem que é assim. É que a cegueira do deslumbramento está ali mesmo à espreita...
    Bons ventos para o seu caminho.
    Ah, gostei muito de ler "Medicina é Humanidade...". É um bom augúrio.

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  2. Este texto merece um comentário reflectido.Logo volto porque estou de saída para as aulas, depois de um fim de semana de "doidos". Médicos precisam-se!
    Beijinho

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  3. Elisabete,

    Quem dera que a maior parte dos médicos tivesse esta sensibilidade que os seus textos evidenciam.Que emocionada fiquei com esta abertura do seu coração, com "Cabos de Tormenta"que é preciso ultrapassar com sangue suor e lágrimas.
    A sua profissão é das que exige maior espírito altruísta e humanista, mas tudo vale a pena se...A sua alma é tão grande e tão luzidia que não duvido da exemplaridade do seu empenho.E chore e comova-se com a dor, Elisabete, porque isso é que distingue o homem da "besta sadia".
    Um enorme abraço de uma mulher muito cansada.

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  4. Ibel,
    O meu dia também foi longo...
    Um bem-haja muito grande... leio as suas palavras e logo me nasce um sorriso...
    A Ibel é alegria, poesia, suavidade e eu espero que descanse e se sinta melhor.
    Um beijinho

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  5. Conhecendo-te como te conheço sei que vais ser uma médica excelente. Vi em ti o caminho da Medicina, ainda eras pequenina,quando frequentavas o 10ºano. Nunca duvidei da tua força interior e sei que estás nesse curso por vocação. Quando as "maleitas" da idade me atingirem terei em ti um porto seguro, já sabes.
    Desejo uma boa semana de estudo e trabalho.

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