quinta-feira, 25 de março de 2010

O meu avô Ricardo


Avô, foi há dois anos. Dois anos de um tempo vivo, de um tempo meu. Sei que não me ouves, não tenho o conforto da crença. Eu não escrevo para ti, escrevo-te em mim. Ou tento. Eu tento, avô, e por ti, para ti, deveria ser capaz. Perdoa-me, perdoa-me porque não sou.
Mas quero que saibas que o teu nome de avô é sagrado. Não escutes o resto. Não escutes as palavras pequeninas que eu teimo em escrever porque sim. Lembra-te só desta verdade. O teu nome de avô é sagrado em mim. E vou guardar-te, mesmo sabendo ou pressentindo a inutilidade de tudo.
Tinhas o sorriso de uma criança travessa. Um sorriso desdentado e lindo, porque verdadeiro. Nas fotografias, o rasto desse sorriso sol com que nos brindavas os dias e a infância. A infância. A infância que partiu contigo, nesse dia em que as sombras se tornaram vultos, reais, tangíveis. E o que mais me magoa é a certeza desse desejo de vida em ti. Querias tanto viver. Vida. E o fantasma do seu reverso sempre a ensombrar-te a alma e a escurecer-te o olhar. E a tua força, o teu desejo, a tua gana não bastaram! Como é possível? Eu não compreendo.
Avô, foi há dois anos. A vida como que suspensa. A avó. A mãe. Os tios. E essa dor que eu não posso conceber, essa dor que eu não quero escrever nunca, essa dor que lhes deixou a alma vergada, essa dor que obriga a abrir os olhos e enganar a alma, porque fechá-los é ver a verdade que dói. Uma dor que eu não sei. Nada sei.
Avô, eu estou longe. Esta é a flor que deposito sobre a pedra fria que te cobre. O teu nome de avô é sagrado e escrevo-te em mim para dizer que a tua ausência me dói.

5 comentários:

  1. Bonita memória de alguém que honrou a vida (Querias tanto viver) e lhe conferiu dignidade até ao fim ( a tua força, o teu desejo, a tua gana...).
    A memória dos que nos deixam também faz parte da nossa construção. Ainda bem que é assim.

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  2. O teu avó...como tenho bem presente o sorriso que descreves, os conselhos que me dava quando me despedia e descia do autocarro. Foi há tanto tempo e parece que foi ontem. Ainda não tinhas nascido e já as nossas vidas se cruzavam.Os que amamos nunca morrem, ficam sempre vivos no nosso coração.

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  3. Avô! Palavra bonita, que se pronuncia com a boca cheia, mas mais cheia na alma e no coração. O Avô Ricardo era , sem dúvida, uma pessoa muito especial. Tanto mais pelo facto de ter uma vontade grande de viver e transpirar VIDA. Sempre alegre, bem disposto, meigo no seu jeito de ser e sempre, mas sempre muito AMIGO de todos os seus netos...
    A saudade aperta, mas temos que encontrar conforto nas memórias e preservá-las para sempre, mesmo através das palavras e mensagens que escrevemos e pensamos pelo menos nestas alturas. Chegada ou não a sua hora, ele partiu mas deixou uma história e lição de vida de luta, perseverança, alegria, bondade...
    E dentro de nós uma memória e lembranças que nos acompanharão sempre como se aqui estivesse.

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  4. O avô que foi pai, que foi filho, que foi juventude acesa e dourada somos todos nós e a nossa existência a não querer quebrar o fio que nos prende à vida.Amanhã alguém escreverá sobre nós e já foi ontem.Uma brevidade que me assusta.
    Farrapos de pó, seremos memória dos que nos amam num futuro que se repete inexorável.Mas há Ricardos com descedentes sensíveis que lhes regam as memórias que os trazem à tona dos dias.Serão lágrimas. Lágrimas ou saudades tudo é palpitar de vida ainda. Benditos sejam!

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  5. Teu Avô e meu Pai, permite-me que aqui o recorde também, e ao recorda-lo uma lágrima teima em cair pela minha face, e outras a seguem, são lágrimas de tristeza, de saúdade, mas também de orgulho, sim orgulho em ti meu Pai, pelo Homem e Pai que foste, por seres amigo do teu amigo e tantos amigos tu tinhas meu Pai,pelo sorriso nos lábios e carinho com que sempre me recebias a mim e ao Teu neto,não esqueço a tua Fé e a Grande Vontade de Viver...que Deus de tenha dado um lugar no CÉU.

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