É tão singela a palavra que te escreve, tão pequenina, tão certa no coração de uma criança. Quero escrever-te e nunca saberás que o fiz. Mas o amor tantas vezes se sente e se cala. Faltam palavras para te escrever.
Todas as minhas verdades estão escritas nas páginas de um livro ou na letra de uma canção. Quase todas. Há uma ou outra verdade que as palavras não alcançam e que estão escritas na alma para a infinidade dos séculos. Que mistério a alma humana! Tão plena ou tão vazia, tão fraca ou tão capaz.
Pai, que sabes tu de mim? Que sabes tu dos meus caprichos, dos meus devaneios, dos meus sonhos, dos meus fracassos? Que sabes tu da minha luta? Que sabes tu desta alma turbulenta e furiosa? Que sabes tu, pai?
Pai, esta dor é minha. Esta dor onde se perde o meu olhar parado é minha. Desta labuta do ser nada sabes. Mas acolhes-me na suavidade de um amor que não questiona.
Pai, ontem, quando ia no autocarro, uma menina sentou-se à minha beira. Cabelo longo, rosto sardento, olhar atrevido e inocente. Agarrava com força um postal e ai de quem... Também eu, há muito tempo atrás, numa vida que passou sem que me desse conta, te escrevia com a letra incerta e periclitante de uma criança. "Pai, com esse bigode pareces um gato". Ainda hoje sorrio quando me lembro desta mensagem. Mas eram palavras de amor...
Pai, como cheguei aqui? A este tempo e a este lugar? A esta estranheza? Se eu pudesse voltar lá, ao lugar da minha meninice...
Cuida de mim, pai. Conta-me as histórias que um dia me entreteceram os sonhos e me desajustaram da vida. Conta-me as histórias desse tempo, para que volte a acreditar.
Voar é isto: olhar em volta, questionar, meditar, recear, ousar...; guardar memórias do que nos ajudou a construir, tentar perceber do que somos feitos; olhar em frente e, não sem um certo receio, abrir as asas aos mistérios do porvir.
ResponderEliminarNão tenha receio, EA, o seu voar promete, e a sua escrita, repleta de pequenos pormenores onde a sensibilidade está bem cerzida, é reflexo disso.
Obrigada pela suavidade das palavras.
ResponderEliminarLi o seu poema. Tocou-me, porque também eu deixo que o olhar se perca na lonjura dos "trilhos impossíveis", procurando ainda "o verdadeiro lugar da dimensão da minha alma". E tenho medo, sim. Tenho medo de me perder na voragem do ser, porque o sonho nasce sem freio ou medida e os trilhos da vida são outros.
A casa que nós somos mede-se pelas memórias e pelo peso delas.Habitam-me também essas memórias e a aguda dor do remorso de nunca ter dito ao meu pai o quanto ele dourou a minha infância.A minha mãe sempre soube de sobra do amor que lhe tive, mas ao meu pai não tive tempo para lhe dizer o que a Elisabete disse por mim.
ResponderEliminarO coração de um pai é grande, grande...
ResponderEliminarA discrição das palavras nada diz sobre a dimensão dos afectos.
O seu pai soube-o, numa compreensão que escapa às palavras e aos gestos.
Um beijinho muito grande
Abraças-te na suavidade do amor paternal. Ele não diz mas sabe dos teus devaneios, dos teus sonhos, das tuas lutas. Dá espaço à tua liberdade sem te perder os passos.
ResponderEliminarBjinhos