Dentro, onde ela está, há a janela recortada contra o escuro e é essa a noite. Mas fora é noite também. Noite deles, vagabundos, viciados, poetas malditos. Noite, correndo livre, dispersando-se por ruas e becos, aspergindo-se sobre os pobres sem rosto que vestem de negro e espreitam das sombras. Mas dentro é noite também. Noite refém, correndo em círculos, mas noite também. Diferente, mas noite.
Há dentro o candeeiro e a luz amarela, morna, tingida. Luz baça, que a luz muito branca fere como ácido. Há sombras que se projectam nas paredes. A sombra mais nítida é o desenho do seu corpo decalcado na parede. Deitada, volta-se para a parede e é como se olhasse a sua sombra nos olhos. Mas a sombra não tem olhos, é apenas o contorno dos vales e fundos do seu corpo. A curva da fronte, as pestanas, a linha das maçãs do rosto que se movimenta se ela forçar um sorriso, o contorno dos lábios, a depressão do pescoço e os ombros que respiram e fazem desta uma sombra viva, uma sombra que ri. O traço continua-se ondulante, corpo deformado pelas cobertas que aquecem e encobrem.
Se desligar a luz, a sombra morre. Morrem as cores, morrem as formas. Abre e fecha os olhos e a escuridão é quase a mesma. Não há hoje lua sinaleira que suavize o escuro, essa mancha de negro que os olhos enxergam porque nada enxergam.
Vai tenteando o escuro e liga de novo o interruptor. Da lâmpada nasce a luz. Nesse momento, decide que há-de adormecer sem querer, assim como quem se distrai e pronto. E a luz acesa há-de ser metade culpa, metade esquecimento.
A luz fere de morte o negro, mas não o silêncio. Silêncio. Quanto silêncio. Silêncio tão calado que grita e lhe zumbe aos ouvidos como um peso. Silêncio. Tanto silêncio. Ouve a pele deslizando sobre a pele, é o seu corpo falando baixinho. A madeira da cama range, dedo em riste acusando o corpo inquieto, desassossegado.
Noite é o escuro, o naco de silêncio e a solidão. Mas é isto a solidão? Aqui se veste o segredo e a intimidade, às vezes a dor do abraço ausente. Mas sempre a certeza, quando vem a solidão mais fria, está, tantas e tantas vezes, alguém sentado a seu lado.
Uma riqueza textual magnífica!
ResponderEliminarUm jogo de luz e sombras questionado pelo olhar, pela presença/ausência do corpo.
E será que quando as palavras se despem, é a sombra do seu silêncio que nos veste? Um silêncio que, por vezes, brilha no escuro da noite, e abraçamos para iludir a solidão...
Que beleza, E.A!
Beijinho
A noite, a sombra, a escuridão, nomes diferentes para a mesma substância.
ResponderEliminarOlhamos para ela, e esboços de medos ancestrais irrompem do mais profundo de nós. Olhamos, a medo, mas há qualquer coisa que atrai, que procura vínculo. E damo-nos ao conhecimento. Dela, da sombra, e de nós próprios, também nós uma espécie de sombra em busca de luz. Quem ouse vencer o medo entra na gruta onde a luz se mistura com a sombra, onde os fantasmas convivem com os anjos. Aparentemente em equilíbrio. E é isso que nos deve orientar. Entrar na gruta, sim, mas só à medida da capacidade dos nossos passos...
Desculpe, Elisabete, alonguei-me um pouco. Culpa do seu excelente texto, que me impeliu a esta viagem.
Sabe, sinto a escritora que há em si a afirmar-se cada vez mais, e isso é particularmente grato.
Beijo :)
Menina! Que texto magnífico! Intenso e forte!
ResponderEliminarSombras, silêncios e luz se misturam na solidão... maravilhoso! Parabéns!
Aproveito a oportunidade para desejar a vc um 2011 de muitas realizações, de muito amor e paz no coração. Que vc passe todos os dias ao lado daqueles que tanto ama. :)
Grande abraço!
Elisá
ResponderEliminarO silêncio como espelho da revelação do corpo e da alma; o silêncio como um estigma que intimida; o silêncio como uma página em branco onde se escreve silêncio; o silêncio como pretexto para subir ao céu e trazer uma estrela, depois de se ter deixado lá o coração.
E agora?
Agora um enorme abraço virtual a quem deslumbra o próprio silêncio e os votos de um 2011 com mais silêncios destes e com estrelas roubadas ao firmamento onde, com toda a legitimidade, se tem o direito de subir.
Adoro-a,minha menina de estimação!!!!
Obrigada, E.A.!
ResponderEliminarQue cada dia de 2011 se vista de sorrisos, de alegrias, de esperança...
E sejamos felizes!
Feliz Ano Novo!
Beijinho
Elisabete,
ResponderEliminarO tempo é aquilo que é, e não adianta dissertar sobre ele. Importa, sim, olhar em frente, e caminhar com determinação em busca dos nossos objectivos sem nunca nos trairmos.
Do fundo do coração, que em 2011 a vida seja generosa e lhe proporcione as mais preciosas colheitas!
Beijo :)
E.A.
ResponderEliminarUm belíssimo texto. Uma óptima história. Parabéns. Tanta erudição, na simplicidade, é um regalo para o leitor e deve ter sido um prazer para a escritora.
Um Feliz Ano de 2011.
Beijinhos.
Caldeira
Menina! Estou ainda arrepiada, perdida em pensamentos e imagens, sombra e luz, noite e solidão... não sei bem o que é meu o que é do texto, pois houve uma identificação muito grande com sua narrativa... "Mas dentro é noite também. Noite refém, correndo em círculos, mas noite também. Diferente, mas noite."... Estou assim, com o coração na boca e o gosto forte das palavras ardendo na alma. Que texto, minha cara, que maestria!
ResponderEliminarGostaria muito que viesse conhecer meu blog, seria uma honra e um prazer.
Desde já, sigo-a, inevitavelmente.
Um 2011 repleto de realizações que a façam muito feliz.
Beijokas.
Texto que me prende às palavras que descrevem primorosamente a dualidade luz/sombra e o sentimento da solidão. Sinto uma grande alegria, o teu blog faz hoje um ano. Parabéns por todos os textos, poesia e citações que ele contém. É a tua alma que aqui está e quem te conhece sabe quanto doce ela é.
ResponderEliminarDesejo que em 2011 concretizes tudo aquilo que planeaste para a sucesso da tua futura carreira profissional.
Bjinhos
Para todos, votos de ano muito feliz! Deste lado, a esperança de que continuem a caminhar a meu lado.
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