Era uma cigana, dessas que vendem destinos a troco de uma moeda. Verão seria, que me lembra o vestido branco de algodão que usei nesse dia. A cigana, longo cabelo, saia rodada, um xale de lantejoulas, mas verão seria, porque o vestido era branco.
Eu desviei-me, assim como quem contorna um destino, mas adiante, a velha cigana salta-me ao caminho, agarra-me o braço e olha-me com olhos severos e maledicentes. Cada toque é uma violência, desejado ou não, mas ardendo sempre. Incomodou-me aquela mão estranha agarrando com força o meu braço nu, a pele que habito, a fronteira da minha intimidade. Desde pequena que tenho estranhos pudores.
A força afrouxou, a mão dela desliza até à minha, troca o dorso pela palma e instintivamente os meus dedos abrem-se e dão-se-lhe. E com uma delicadeza que contradiz a rudeza da sua primeira abordagem, a velha pega na outra mão e expõe-na da mesma maneira. Duas mãos, porque há homens que nasceram com marcas de destinos vários, sete vidas os gatos, sete destinos o homem, mas só um nos é dado viver. Se acredito? Eu finjo. Porque é uma coisa bonita de se acreditar, o destino, a estrela de cinco pontas, a lua…
Ela olha atentamente, cada prega um rabisco de uma vidência que eu não alcanço e de que suspeito. E vai falando baixinho, num linguarejo que não entendo. Vou imaginando o que me dirá, a felicidade costumada, sem saber que nem eu sei se é isso o que procuro.
Estranho o que me disse. Cem lágrimas de distância. E enquanto vasculhava a carteira à procura do porta-moedas, volta-se e segue caminho, vendendo-me o destino a troco de nada.
Julgo terem-se-me esgotado os elogios para te fazer Elisabete. Consegues criar e transmitir imagens e emoções que se tornam vivas em quem as lê; pelo menos assim acontece comigo. Estou viciado no teu escrever e não terei muito mais a dizer. Mas fica certa que te lerei sempre, mesmo que não comente :)
ResponderEliminarSORTE
ResponderEliminaruma
cigana
deu-me
muita
sorte
há muito!
Assim
NORTE
minha
sorte
és tu
aqui
assim
sempre!
Mim
Muito lindo:) Gosto muito! Apesar de tudo o que dizem, eu invejo um pouco a liberdade e a coragem dos ciganos. Se calhar são eles os felizes, porque já conhecem o destino dos outros...
ResponderEliminarViva Elisabete, mais um texto muito bom. Todo ele é uma construção do final, que é excelente, faz-nos pensar, é inesperado e mesmo bem humorado. Vale a pena, apesar de apenas o final ser a parte mais virtuosa do poema. Mas vale a pena a espera.
ResponderEliminarAbraços para ti
ou, sem lágrimas de distância?
ResponderEliminaro tempo dos ciganos, marginalizados, tanto destino na palma das outras mãos
e a troco de nada, inspirou-lhe este texto a cigana, ou a troco de tanto
um beijo Elisabete!
Os receios, qual olhar incrédulo sobre o que vai para lá dos aconchegantes afectos, mas também a janela aberta para o desconhecido, como que a dizer que o mundo fez-se para ser descoberto.
ResponderEliminarO texto é muito bom, Elisabete!
Beijo :)
Você faz a mesma coisa com a gente. Vende nossas histórias, um pouco de mim, um bocado do outro, sem nem mesmo avisar que escreveu. Tudo aparece na tela já pronto. Escrito. Maktub.
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