Em pequena, caminhava sobre um muro estreito e imaginava que o metro de distância ao solo era na verdade a medida negra de um poço sem fim. Bastava esse pensamento para que cada passo dado fosse mais cuidadoso, mas, caindo, nada de mal aconteceria, era só uma brincadeira que chegava ao fim. Às vezes brincava de funâmbulo no rebordo do lago e um dia caiu à água, mas também aí só o desconforto de uma roupa grossa de inverno, molhada e colada ao corpo, e o embaraço, em face do riso trocista de um menino que viu. Era fácil ter coragem e jogar os medos em jogos inconsequentes.
Também é fácil a coragem quando lhe dizem que caminhe adiante e lhe seguem os passos de perto. E ela não olha para trás, conivente na intenção de se inventar uma coragem e uma força.
Até que um dia, ela decide que quer ver o mundo. E o mundo está para lá da curva, num caminho de terra batida onde ninguém lhe guarda os passos. Quando olha o mapa sentado à sua frente, parece tão pouco o mundo e o comprimento exacto de um dedo há-de ser a distância da sua coragem.
Pergunto-lha se acredita que ela vai ser capaz. À vontade de a proteger, contrapõe-se a necessidade de lhe ensinar a força e ele diz-lhe que sim, que tem que ser, como se a coragem fosse na verdade uma obrigação. Mas o que lhe lê no olhar é o receio que o mundo a devore, porque a menina que criou tem uma medusa de medos no lugar do coração.
Que bom, um texto novo :) E lindo, como sempre!
ResponderEliminarBeijinhos
Muito bom este poema, Elisabete, segundo a minha crítica limitada, pois creio que ultrapassa o meu sentido crítico. Outro merecia. Só espero que nunca percas este rigor poético que possuis, aliado à tua extrema sensibilidade. Unir as duas coisas é tarefa árdua. Vale a pena manter este blog debaixo de olho. O poema há-de ir para a Casa um destes dias.
ResponderEliminarAbraços
Adorei sua presença no Desassossego, assim como aprecio muitíssimo vir aqui e encontrar seus textos sensíveis e doces.
ResponderEliminarSaudade, Elisabete.
Que seu ano de 2012 multiplique as oportunidades e as alegrias de 2011.
Os medos não se vencem de uma só vez, que há-de haver sempre algo no fundo do saco, mas eles não se deixam enganar. Podemos tentar evitá-los, mas isso só os fortalece, e estarão sempre ali, à espera, nunca se vão embora. Até que, sabe-se lá como, alguém ousa o confronto. E tudo pode acontecer.
ResponderEliminarBeijo :)
Como te invejo a escrita:-)
ResponderEliminara menina
ResponderEliminaruma medusa de medos
ele
uma sereia de esperança
os dois, o coração de tanta coragem para experimentar o poço, o escuro, o salto
muito bonito E.A.!
um beijo
Com a devida vénia, coloquei este poema na casaquecaminha.
ResponderEliminarAbraços