domingo, 29 de maio de 2011

A Lycra do maiô caía na pele como se também fosse. Pele.
Era a nudez absoluta das linhas do corpo: os seios, a concavidade da cintura, as pernas bem torneadas numa distinta anatomia.
O colo bonito, antecâmara de um rosto de linhas vincadas com suavidade, rainha do gelo.
O cabelo apanhado, colado ao crânio, a mesma intransigência que lhe forja o olhar na distância.
Pulsos brancos, tão finos, que são a marca de uma delicadeza que lhe desce pelas mãos de dedos longos, candelabros sem chama, que a beleza é fria e nela não tocarás.
E a linha das clavículas que é o verbo mais-que-perfeito no corpo de uma mulher.
Quando se ergue em pontas de gesso, sustém a respiração e os dentes cerram-se com força, porque dói. Mas está um palmo acima de si e talvez seja capaz de olhar deus nos olhos. O cetim esconde pés ensanguentados. Tudo é belo nela excepto os pés. Os pés nus, deposta a máscara, gritam de dor.
A silhueta de uma bailarina.

8 comentários:

  1. perfeita

    a pintura de uma bailarina!

    um palmo acima de mim, sinto-me
    ao ler este texto, E.A.

    bom estudo!

    um beijo

    manuela

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  2. Elisabete,
    Que magnífica descrição do corpo de uma bailarina. E que forma tão delicada de apresentar a adversidade de quem sofre a perda da sua ferramenta de trabalho. Isto poderia acontecer com as mãos de um pianista ou de um cirugião. A escritora em simbiose com a médica é enternecedora.
    Beijinho
    Caldeira

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  3. Texto muito marcado, como a descrição que faz. Vai ao osso duma gramática completa, complexa. Parabéns!

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  4. engraçado acompanhar a tua evolução, desde que aqui passei pela primeira vez à muito tempo, até hoje. gosto sempre muito de aqui passar.

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  5. Não pense que me desliguei da bailarina das palavras certas, numa dança quase esotérica. O texto transportou-me para o Cisne Negro e senti um arrepio.

    PS. Tenho tido muitos problemas com o blog e não tenho conseguido entrar nos habituais, excepto num ou dois.E só como anónima. Pelo sim pelo não, fica aqui um beijo com a assinatura da Ibel.

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  6. Já acabou o ruído e a confusão do S. João.Agora é outra a música -"leve, breve, suave, um canto de ave sobe no ar com que principia o dia"- aqui mesmo encostado à língua de luz que abraça o silêncio. É só claridade o que amanhece. Vou dormir. São seis horas e trinta e seis minutos. Apetecia-me ser bailarina outra vez.Ou talvez ave. Não sei bem a frontreira entre as duas.

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  7. Elisabete,
    É verdade que ultimamente não tenho comentado muito, mas não tenho deixado de vir. Sabes, tu cresceste, cresceste muito, já não precisas do meu apoio. As tuas asas dimensionaram-se, ganharam segurança, sentem-se capazes de amplos voos. Continuarei a aplaudir, mas agora dissimulado por entre os outros.
    Bons voos!

    Beijo :)

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  8. E os olhos acompanham a leitura como o olhar percorre o corpo, em detalhes, de cima para baixo. E nos dobramos. Ajoelhamos para ver melhor. Ver melhor. Vermelho. O sangue colorindo a cena. Terminamos a leitura de joelhos, porque é de joelhos que o teu texto deve ser lido.

    Absoluta: candelabros sem chama, que a beleza é fria e nela não tocarás.

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