Chamava-se Escritor, pois era um fazedor de palavras. Tinha em si o dom mais bonito do mundo e vivia escrevendo livros. Livros que muitas pessoas liam, tantas pessoas, livros exibidos em expositores em grandes livrarias, livros que a menina lia com sofreguidão no recato anónimo do seu quarto.
Quando leu os livros do Escritor, ela compreendeu. Cada palavra, cada contexto, cada sentimento, cada ênfase. Mas o pensamento não falou exactamente assim, e o que soou foi que tinha sido compreendida. Um revés de sentido, que a coloca a ela no centro do mundo.
Mas tantos o lêem. Talvez ela esteja enganada e o milagre da compreensão não seja tão raro assim.
Um dia, ela soube que o Escritor estaria na cidade. Sentiu curiosidade, não muita, mas o suficiente. Pois bem, faria por estar presente. Apanhou o autocarro para a tal cidade e caminhou por longo tempo até encontrar a livraria. Enquanto caminhava, procurava sinais. O que esperaria encontrar? Uma cidade engalanada para receber o Escritor? A cidade estava igual ao que sempre fora, só nos seus olhos havia um brilhozinho de expectativa comedida.
A menina não falou com o Escritor. Entrou na livraria e voltou atrás. Às vezes desilude-se com as coisas e, pelo sim pelo não, não valia a pena arriscar. Teve medo de descobrir que, no fim de contas, todos fingem, todos mentem. Até o artista, que vive a arte a intervalos.
O que escreve o Escritor é tremendo. Como um dedo esticado que toca por acaso um coração ferido. Dói, mas acorda o grito e traz a vida.
Ele é o Escritor. A menina de que vos falo uma leitora, que sonha em segredo que um dia lhe chamem o mesmo nome também. É só um sonho. É tudo este sonho.
Nasceram sob o signo do mesmo amor. A ele não lhe faltam palavras, enquanto ela parece ser dona de um destino calado e silente. Por um dom como aquele, ela venderia a alma e seria tão pouco.
Não sabe escrever amor, mas sabe senti-lo e tem em si o orgulho indecente de acreditar que ninguém ama mais do que ela. As palavras.