segunda-feira, 16 de abril de 2012



Quando trovejava, eu emudecia. Um mundo que perde a razão desconcerta. Talvez como uma criança que olha um adulto que se verga em fragilidade e chora ou se atiça em loucura e grita. O descontrolo, a subversão da ordem, a entropia minando o mundo de medos. 
E alguém me dizia que me afastasse da porta. E eu juro que não era pelo gosto de me deitar ao desafio. O certo que é que me postava à entrada e para ali ficava, como quem espreita um espetáculo proibido. Um fascínio idêntico ao que me levava a correr de braços abertos nas chuvas improváveis de Verão. Mas era feliz dançando à chuva, dessa felicidade de bicho, com gosto a fruta e cheiro a terra molhada. Já quando olhava as nuvens escuras que relinchavam trovões, o que sentia era respeito, esse respeito temeroso de quando se olha uma imagem numa igreja. 
E diziam-me que era Deus descontente com as faltas humanas. E eu sabia que sim, assim mo dizia o meu reportório de culpas. Porque eu era uma criança que pecava. 
A um canto a tia-avó rezava baixinho. Santa Bárbara bendita que no céu está escrita… Se pedia, eu rezava também e a oração, repetida vezes a fio, mais parecia um encantamento. 
A velha tia, de lenço preto atado debaixo do queixo e constantemente desfiando as contas do rosário, pedindo por ela e por mim e por todos. E a primeira oração que me ensinou, que falava de um anjo companhia que guarda as almas noite e dia...