segunda-feira, 25 de abril de 2011


Se eu, escrevendo, disser que amo, não saberás quem ama, se eu, se a minha vontade.
E nada lerás no meu olhar, senão a agressividade de um animal acossado. O homem pediu-me que não o olhasse daquela maneira. Eu não sabia e constrangeu-me que me tomasse como assaltante. Desde então aprendi a baixar o olhar como quem esconde um pecado.
Digo eu. Digo ela e pensarás que é narciso disfarçado.
Eu não sei. Às vezes, até a mim os véus me confundem. É que o jogo de espelhos pode ser muito perverso. E se tentares fugir, caminharás durante longo tempo e quando parares para recobrar o fôlego, julgando estar longe longe, terás dado a volta ao mundo e estarás um passo ao lado do sítio de onde partiste. Com o amor e o ódio deve ser assim também. O círculo à imagem de deus.
É um círculo. A recta que uniu as pontas num redondo perfeito. Não procures encontrar-me lá, limita-te a aceitar que o círculo é meu e assim me confesso. Mas lembra-te, mais do que uma verdade, a escrita é uma mentira que cobiço.

sábado, 9 de abril de 2011

Laughing with your broken eyes, when the stars go blue...

terça-feira, 5 de abril de 2011


Janet Treby

De vez em quando, estacada na escadaria, ela escuta a melodia. A acústica do prédio não o protege naquela que é, porventura, a sua maior intimidade e as notas angustiadas encontram um poiso certo numa caixinha que ela guarda dentro e onde, tanta vez, ressoa a angústia também.
O pianista sem rosto tem dedos machos. Ela não sabe, mas sabe. Dedos machos e longas pestanas nos olhos inquietos que lhe denunciam a fatalidade. Ela não sabe, mas sabe.
Um dia, ela escutou os acordes imperfeitos da sua música em gestação. Nem por isso lhe soou menos bela. A sua música. Porque acredita que à força de tanto gostar, pode fazer dela as coisas belas do mundo.
A sua música nasceria perfeita daí a uns dias e ela, num acaso de magia, escutá-la-ia também.
Ele toca para ela, porque é ela que o acompanha nesse momento de intimidade maior, em que se julga mais só. Sentada num degrau ela escuta, atrasando a entrada em casa, onde a melodia soa mais distante e nebulosa.
Dele não sabe o rosto, apenas os olhos que se lhe enformam na imaginação. No momento em que a música se suspender, suspeitosa, ela entrará em casa e o pianista sem rosto encontrará a escadaria vazia. A música é o desencontro deles, mas o requiem da música é o silêncio.

domingo, 3 de abril de 2011

peçam-lhe que venha tão
depressa, digam-lhe que
não durmo e que estarei
no telhado entristecida a
desbotar ao sol
incomodando os pássaros cada vez menos (...)

perguntem-lhe por mim e
se pode vir
para recolher o
meu corpo no fim
só bulido pelo vento

e se o vento é conjunto
de pássaros invisíveis ou seres
tão claros , escondam que sou
cruel, que fico a debulhar
anjos como flores para saber
se bem ou mal me quer (...)

meu amor inventado
ainda assim tanto demoras

quantas vezes te inventei
ao pé das
águas do lago e
imaginei que me empurravas
ladeira abaixo
para enfim
morrer de amor (...)

terás de perdoar a
tristeza do meu corpo, ele
não entende o que estou
a fazer

e se alguma vez me
vires nos teus sonhos
sacode-me a terra ao coração (...)

e faz-me sempre assim,
empoleirada nos telhados
a enganar os girassóis (...)

abençoo-te para sempre
e é assim que morro, corajosa
a escrever um livro de
amor sem chorar

O resto da minha alegria, Valter Hugo Mãe

She's like the wind